sábado, 15 de agosto de 2009

BIOGRAFIA NUMA NOITE


Foto:Sebastião Salgado

BIOGRAFIA NUMA NOITE

Minha poesia, às vezes,
Parece que foge de mim
Sinto que não tenho nada a sentir, nada a dizer

Talvez a única coisa a fazer
Seja dançar um tango argentino
Mas nem isso teria sentido

A música francesa erudita tocando no rádio
Fortalece minha tendência à apatia
E meus sentidos continuam sem sentido, não me comovem

Não sou espiritualista
Mas também não sou materialista
Sou o único carro na contramão da grande avenida,

Hoje pela manhã no ponto de ônibus
Nada me comoveu
Nem a fala cansada da pobre e triste senhora nordestina
Nem a face esfolada do homem embriagado pelas verdades da vida

Nada, nada me comove
A lua me observa na sacada sem traços ou expressão
O ruído dos carros não me incomoda,
De tempo em tempo, em busca de novos destinos, aviões cruzam o céu, mas também [não me incomodam

É noite. Poucas estrelas. Poucas palavras
Pássaros não cantam. É noite
Talvez o dia devesse chegar. Talvez o sol devesse apontar atrás do prédio da frente
Porque nesta noite, porque esta noite, nada, nada me comove