terça-feira, 28 de julho de 2009

TEMPO DE REZA


TEMPO DE REZA


Eu era um descaso do acaso,
angariado na contramão de uma grande avenida
Os brilhos dos olhos lagrimantes de saudade
de um tempo escorrido nos relógios
refletiam a esperança do passado,
apagada na realidade de um presente sério.

Sou um verso solto,
uma estrofe desconexa,
um tom sem intenção.
Sou um eu lírico pouco idealizado,
idealizador,
desaliterado.
A melodia não me encontra,
e entre mim e ela
só a vontade de ser um pouco mais sonoro.
Armstrong soprar-me-ia entre notas
melodicamente melancólicas
La vie en rose.
O toque das teclas do piano
teria funções tristes de acompanhares,
intrínsecas em saudade.

O sol brilha belo
e entre as frestas da janela apodrecida pelos dias
entra a luz quente, ultraviolentamente,
alumiando os olhos amarelados do porta-retrato.

Nostalgia é ouvir o barulho que o silêncio faz
no tic tac do relógio.
Eu não. Sou mais do que isso.
Sou a saudade que a lembrança tem,
sou os sonoros passos lentos, quase mancos,
de entes que se foram já, tão cedo de minha vida.
Sou os credos, os padres-nossos...
Egoistamente,
amém.

A FICHA CAI NOS DIAS DE HOJE



Há pouco caiu minha ficha! Encontrei um amigo de infância, cabisbaixo, caminhando pelo calçadão, semblante abatido, olhos vermelhos. Aproximei-me e com um sorriso amarelo o cumprimentei, juntamente com a lágrima, disse-me nada bem, lembra-se da minha irmã caçula; sim, lembro-me... há uma hora a enterramos, tinha apenas dezessete anos e um lindo sorriso. Minha ficha caiu! A mulher fica grávida dá a luz, os pais que podem, fazem caderneta de poupança pensando na faculdade do filho, os que não podem projetam nele o sonho de uma vida melhor, e, aos dezessete anos simplesmente morre, é, simples assim, apenas morre. Uma bala que se perde e resolve se encontrar num peito de dezessete anos, ou, um cara saindo da comemoração do seu time campeão nacional, irresponsável, bêbado e fanático que além de irresponsável é burro, pois quem o informou a esse cidadão que comemoração só se faz com bebida alcoólica, se perde na direção e sem direção, perdido, encontra uma jovem, que, aos dezessete anos esperava o ônibus que a levaria para a festa de quinze anos de sua irmã caçula por parte de pai. Caiu minha ficha! Mas, quem perde mais, o que a vida perdeu ou os amores que na vida ficaram perdidos tentando encontrar aquele lindo sorriso. A morte é uma piada de mau gosto e muito mal contada. Você acorda, vai para a mesa da cozinha estudar para prova de logo mais à tarde, depois, toma um banho, coloca a toalha no varal, pega o material do colégio e vai... e vai mesmo; um assalto na padaria da esquina, o dono reage e três disparos, o assassino morreu. O dono da padaria foi um herói? Não!, pois logo ali, do outro lado da rua a jovem com material escolar borrado de sangue luta pra ficar, mas vai; o dono da padaria vai de mocinho a vilão num espaço tão curto de tempo que nem goza da vitória e se derrota; no varal a toalha de banho, ainda molhada, guarda os últimos resquícios do perfume da pele, agora fria, da menina. Para os que ficam restam-lhe remexer as saudades penduradas nos cabides do guardarroupas, guardar as sandálias jogadas no meio do corredor entre a sala e os quartos, que outrora era desleixo, má vontade, bagunça e que agora se faz necessário. Não tire esta sandália daí! Minha filha tinha que vir tirar. Morte nos deixa as coisas todas pela metade, a prova estudada que não fiz, o filho formado que não vi, o fim do jogo, meus netos que não conhecerei. Há uma confusão com o termo “livre arbítrio”. Esse tal livre arbítrio é meu para fazer o que eu quiser da minha vida e eu queria fazer minha prova de hoje à tarde, eu queria me formar, queria assistir ao jogo de amanhã; ninguém tem o livre arbítrio sobre a minha vida, vetando assim, o direito de a tirarem de mim, então que castigo é esse ao qual me obrigaram.?! A verdade é que não há verdade. Somos fruto do meio e sujeito a ele.
Eu não me perdi, mas confesso, não faço a mínima ideia de onde estamos e muito menos para onde vamos parar.
Minha ficha caiu! Olhando nos olhos daquele meu amigo de infância eu podia fazer tudo, tentar fazer a diferença, mas o abracei, desejei que Alguém Supremo o abençoasse, a ele e à família, depois, virei as costas e agora, também cabisbaixo, segui calçadão afora, pois eu podia fazer tudo, menos trazer o lindo sorriso de dezessete anos de volta.