terça-feira, 28 de julho de 2009
A FICHA CAI NOS DIAS DE HOJE
Há pouco caiu minha ficha! Encontrei um amigo de infância, cabisbaixo, caminhando pelo calçadão, semblante abatido, olhos vermelhos. Aproximei-me e com um sorriso amarelo o cumprimentei, juntamente com a lágrima, disse-me nada bem, lembra-se da minha irmã caçula; sim, lembro-me... há uma hora a enterramos, tinha apenas dezessete anos e um lindo sorriso. Minha ficha caiu! A mulher fica grávida dá a luz, os pais que podem, fazem caderneta de poupança pensando na faculdade do filho, os que não podem projetam nele o sonho de uma vida melhor, e, aos dezessete anos simplesmente morre, é, simples assim, apenas morre. Uma bala que se perde e resolve se encontrar num peito de dezessete anos, ou, um cara saindo da comemoração do seu time campeão nacional, irresponsável, bêbado e fanático que além de irresponsável é burro, pois quem o informou a esse cidadão que comemoração só se faz com bebida alcoólica, se perde na direção e sem direção, perdido, encontra uma jovem, que, aos dezessete anos esperava o ônibus que a levaria para a festa de quinze anos de sua irmã caçula por parte de pai. Caiu minha ficha! Mas, quem perde mais, o que a vida perdeu ou os amores que na vida ficaram perdidos tentando encontrar aquele lindo sorriso. A morte é uma piada de mau gosto e muito mal contada. Você acorda, vai para a mesa da cozinha estudar para prova de logo mais à tarde, depois, toma um banho, coloca a toalha no varal, pega o material do colégio e vai... e vai mesmo; um assalto na padaria da esquina, o dono reage e três disparos, o assassino morreu. O dono da padaria foi um herói? Não!, pois logo ali, do outro lado da rua a jovem com material escolar borrado de sangue luta pra ficar, mas vai; o dono da padaria vai de mocinho a vilão num espaço tão curto de tempo que nem goza da vitória e se derrota; no varal a toalha de banho, ainda molhada, guarda os últimos resquícios do perfume da pele, agora fria, da menina. Para os que ficam restam-lhe remexer as saudades penduradas nos cabides do guardarroupas, guardar as sandálias jogadas no meio do corredor entre a sala e os quartos, que outrora era desleixo, má vontade, bagunça e que agora se faz necessário. Não tire esta sandália daí! Minha filha tinha que vir tirar. Morte nos deixa as coisas todas pela metade, a prova estudada que não fiz, o filho formado que não vi, o fim do jogo, meus netos que não conhecerei. Há uma confusão com o termo “livre arbítrio”. Esse tal livre arbítrio é meu para fazer o que eu quiser da minha vida e eu queria fazer minha prova de hoje à tarde, eu queria me formar, queria assistir ao jogo de amanhã; ninguém tem o livre arbítrio sobre a minha vida, vetando assim, o direito de a tirarem de mim, então que castigo é esse ao qual me obrigaram.?! A verdade é que não há verdade. Somos fruto do meio e sujeito a ele.
Eu não me perdi, mas confesso, não faço a mínima ideia de onde estamos e muito menos para onde vamos parar.
Minha ficha caiu! Olhando nos olhos daquele meu amigo de infância eu podia fazer tudo, tentar fazer a diferença, mas o abracei, desejei que Alguém Supremo o abençoasse, a ele e à família, depois, virei as costas e agora, também cabisbaixo, segui calçadão afora, pois eu podia fazer tudo, menos trazer o lindo sorriso de dezessete anos de volta.
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